Especialistas divergem se a publicidade é responsável pelo consumo precoce de bebidas alcoólicas
Por Renata de Salvi
A campanha criada pela agência Mood para lançar a cerveja Devassa Bem Loura provocou discussões acaloradas. A última movimentação acerca desse episódio, que teve início em fevereiro, foi a aprovação da 6ª Câmara do Conselho de Ética do Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) por unanimidade da suspensão da campanha. Há três processos contra o filme estrelado pela socialite americana Paris Hilton. Um deles é do Conar e os outros foram abertos com base em denúncias de consumidores e da Secretaria Especial de Polícia para as Mulheres, do governo federal.
Essa polêmica sobre a campanha para a cerveja do Grupo Schincariol é apenas uma das repercussões que rondam a publicidade do mercado de cerveja, que movimentou em 2009 mais de R$ 31,5 milhões em vendas, segundo o Instituto Nielsen. Outro tema que causa polêmica é a relação entre o consumo precoce de bebidas alcoólicas, principalmente da cerveja, e a maneira com a qual a propaganda divulga esses produtos. Algumas cervejarias figuram entre os 30 maiores anunciantes de 2009, de acordo com o levantamento do Ibope.
A AmBev ocupa a terceira posição e a Petrópolis fica no 22º lugar.
A AmBev ocupa a terceira posição e a Petrópolis fica no 22º lugar.
Para essa discussão existem duas correntes. Por um lado, as grandes cervejarias, alguns estudiosos e as agências de publicidade negam o poder da publicidade em incitar o jovem a consumir o produto precocemente. Um dos argumentos dos defensores da propaganda de bebidas é de que ela é direcionada ao público com mais de 18 anos. Porém alguns pesquisadores, sobretudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), usam levantamentos feitos no exterior para sustentar a forte relação entre o consumo precoce de álcool e a publicidade que também volta sua ação para adolescentes e até crianças.
A psicóloga e professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e vice-presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), Ilana Pinsky, sempre desenvolveu estudos sobre bebidas alcoólicas. Em 2002, focou sua atuação na publicidade direcionada a esses produtos. Desde então produz trabalhos sobre o assunto e acompanha as pesquisas realizadas no exterior, de onde afirma tirar fortes indícios da influência da propaganda sobre os jovens que decidem consumir álcool.
O Center on Alcohol Marketing and Youth (Camy), dos Estados Unidos, que monitora as práticas de marketing das indústrias do álcool, publicou um levantamento feito entre 2001 e 2007 sobre a exposição dos jovens à publicidade de bebidas alcoólicas na televisão. Segundo a entidade, do início da pesquisa até 2007 o número de comerciais vistos em um ano por adolescentes de 12 a 20 anos cresceu de 216 para 301. Uma das conclusões do estudo é que, em 2007, mais de 40% desses adolescentes foram expostos à publicidade de bebidas alcoólicas por meio de programas voltados ao público jovem.
Baseada nessa pesquisa, Ilana constata que se a propaganda tem a intenção apenas de atingir os adultos, o comercial não deveria ser transmitido em horários em que o público é composto por adolescentes. Outro apontamento da estudiosa é em relação ao conteúdo da publicidade. Para ela, a propaganda responsável é aquela que traz apenas informações necessárias sobre o produto, como argumentos sobre a qualidade e composição da cerveja. “Não é necessário falar sobre o estilo de vida, usar a questão afetiva nem usar jovens nas mensagens”, diz. E é incisiva: “Muitas vezes, os publicitários falam em tradição cultural como explicação para os momentos festivos em que relacionam a bebida, mas não é verdade. A realidade é que a minoria da população brasileira tem o hábito de beber. Já que está 'retratando' uma realidade, por que não mostrar as batidas de carro causadas pela bebida?”
Publicitário da Young&Rubicam, Cesar Ortiz é pai de Mônica, de 15 anos. Ele diz que para desenvolver uma campanha de cerveja é necessário seguir headlines rígidos com base nas normas assim que o briefing chega. “Os atores não podem parecer menores de idade, devem estar em situações de consumo responsável, não se pode colocar pessoas alteradas nem mostrar que o efeito do álcool é legal”, explica. Ele ainda considera primário o argumento de que pessoas bonitas em comerciais de cerveja induzem ao consumo. “Qualquer marca quer gente bonita e bem-sucedida relacionada a seu produto.” Também concorda que a cerveja tem grandes atrativos por fazer parte da socialização, integração, cumprir o papel social de aproximar as pessoas. “Os pais têm responsabilidade na hora de conversar com seus filhos. Tudo sem moderação tem efeitos à saúde. Por isso, temos o cuidado em comunicar para não incentivar o consumo antes da hora”, diz Ortiz.
O psiquiatra Arthur Guerra, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e presidente do Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), explica que o uso precoce de álcool e até a escolha pelas drogas são resultados da grande oferta de novidades trazida pelo mundo pós-moderno, como as formas precoces de afeto, o sexo e a ingestão de álcool. E a juventude não usa a bebida alcoólica como os adultos. Normalmente, bebe para ficar alcoolizada. “Isso ocorre o tempo todo, chega a níveis absurdos. Os jovens bebem e até preferem os destilados.”
Guerra sustenta que os adolescentes não decidem beber por causa da propaganda. “O uso excessivo do álcool está ligado ao grupo de amigos, às inseguranças e ansiedades dele e também à genética”, explica. Entretanto, ele admite que nenhum médico defende a propaganda de cerveja. “A propaganda investe porque disputa um mercado extremamente rico. E ainda que jure que o foco não é o jovem, acho difícil que a mensagem não chegue a ele de alguma forma.”
Ilana Pinsky concorda que o cenário contemporâneo incentiva o aumento de consumo de álcool na juventude. “Outros fatores são relevantes para esse fenômeno, como menor preço, falta de prevenção, disponibilidade e maior possibilidade de consumo”, diz. E acha simplista colocar a responsabilidade de orientar entre o certo e o errado somente nos pais. “Mesmo que você esteja o tempo todo com seu filho, é impossível ter o controle total das mensagens que chegam a ele. Além de filmes para televisão, essas mensagens chegam através dos patrocínios a eventos, internet e outros”. No fim de janeiro, a revista Propaganda procurou as assessorias de imprensa das cervejarias Petrópolis e AmBev, que não se pronunciaram sobre o assunto. As agências EuroRSCG e Mood também não deram entrevistas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário